segunda-feira, 4 de março de 2019

Porque reescrever textos? trecho das orientações didáticas para as expectativas de aprendizagem. SEE Kátia L Bräkling, abril2013


ATIVIDADE DE REESCRITA DE TEXTOS
Por que é importante realizar uma atividade de reescrita?
1.       Porque é possível aprender sobre linguagem escrita antes de saber grafar a linguagem (organização interna dos textos; recursos de linguagem literária; características da linguagem escrita como um todo).
2.       Porque essa é uma atividade que permite que o foco do trabalho do aluno seja no processo de textualização, uma vez que o conteúdo – assunto, tema – do texto já está definido. O aluno, nesse caso, não precisa produzir – criar ou pesquisar – o conteúdo temático, concentrando seus esforços em redigir o texto, em organizar o enunciado.
Além disso, deixa o aluno mais livre para prestar atenção em recursos linguísticos e discursivos utilizados no texto fonte, criando a possibilidade de apropriação dos mesmos e utilização no texto pessoal.
3.       Para modelizar procedimentos de textualização – quando a atividade for realizada coletivamente como ditado ao professor.
4.       Para possibilitar ao aluno a prática dos procedimentos de textualização, como: a planificação do texto; a utilização dessa planificação como orientadora da textualização; a revisão processual do texto (analisar parte a parte o que foi escrito, verificando as articulações realizadas, a manutenção da coerência e a adequação dos articuladores); a revisão posterior do texto (análise global da primeira versão do texto, verificando sua correção gramatical e sua adequação discursiva, assim como a pertinência dos articuladores e das decorrentes relações criadas pelos mesmos no texto).
5.       Porque é possível coordenar os diferentes procedimentos escritores, progressivamente, quando articulados às diferentes maneiras de se planejar essa atividade.
6.       Porque é possível que o alunoexerça diferentes papéis enunciativos[7] quando a atividade é realizada em duplas ou trios, o que é fundamental na atividade de escrita, pois tais papéis a constituem.
Quais informações sobre a atividade são disponibilizadas para o aluno quando da leitura do mesmo?
No processo de leitura do texto pelo professor são disponibilizadas as seguintes informações:
a)       qual é o conteúdo temático do texto;
b)      quais são as características do texto, o que implica em informações sobre:
a.       características fundamentais do gênero;
b.       características da linguagem utilizada pelo autor;
c.        perspectiva a partir da qual o tema é tratado;
d.       qual é o tipo de narrador;
e.       organização interna do texto, incluindo a ordem em que os fatos/informações/episódios (dependendo do gênero) são apresentados;
f.         tempo verbal predominante no texto.
Quando a leitura em voz alta é articulada com reconto oral, como atividade de recuperação dos episódios do texto e como oplano do que será reescrito, essas informações podem tornar-seainda mais reconhecíveis pelos alunos.
Quais conhecimentos o aluno pode mobilizar quando vai reescrever?
Todos os conhecimentos relativos ao processo de textualização, que envolve:
a)       recuperar a sequência dos fatos/acontecimentos/episódios do texto (dependendo de qual for o gênero);
b)      organizar a progressão do texto considerando a ordem de tais aspectos;
c)       utilizar recursos coesivos adequados para estabelecer a relação existente entre os episódios;
d)      garantir a manutenção da coerência do texto;
e)       pontuar o texto de modo a tentar garantir a significação do texto fonte;
f)        organizar o texto em parágrafos adequados;
g)      utilizar conhecimentos gramaticais e sintáticos fundamentais para a organização de enunciados;
h)       planificar o texto antes de redigi-lo;
i)         revisar o texto processualmente, enquanto o redige e globalmente, depois de terminada a primeira versão;
j)         orientar todo o processo de textualização pelo contexto de produção presumido do texto fonte.
É preciso considerar que, entre todos esses conhecimentos, o aluno mobilizará aqueles que já tiverem sido apropriados/aprendidos, e do modo como tiverem sido apropriados/aprendidos. Os conhecimentos ainda não aprendidos serão tematizados.
Com quais outras atividades uma reescrita pode articular-se de modo que o aprendizado seja otimizado?
A reescrita pode se articular com uma atividade fundamental, que é o reconto oral. Este, por sua vez, pode funcionar de duas maneiras não excludentes:
a)       como uma simples recuperação de quais foram os episódios/fatos/acontecimentos do texto, explicitando-se a relação existente entre eles, em um processo em que a professora vai perguntando “Como começou a história? E agora, o que aconteceu? E depois disso? Como o texto termina?”;
b)      como um reconto, propriamente, no qual os alunos redigem oralmente o texto em registro literário, falando-o como se o estivessem lendo e procurando recuperar os recursos textuais utilizados no texto fonte.
As duas possibilidades de reconto podem ser desenvolvidas com a classe, dependendo das suas possibilidades e necessidades. Ou seja, se os alunos ainda não conseguem recuperar o conteúdo do texto sequencialmente, na ordem do texto fonte (temporal, por exemplo, caso seja um conto), é preciso que isso seja trabalhado com eles por meio do reconto. Caso eles já tenham essa proficiência, é preciso investir na textualização mesmo do texto (ainda que feita oralmente) e na observação das características da linguagem escrita, quando a segunda possibilidade de reconto é mais adequada.
O reconto para recuperação de episódios do texto pode, inclusive, funcionar como planejamento do conteúdo temático, o qual será matéria da planificação do texto e da textualização, em si.
A reescrita deve ser sempre proposta a partir de um único texto?
A reescrita pode ser proposta de várias maneiras, entre elas, as seguintes:
a)       Sem modificações:
a.       com base em um único texto e sem modificações no conteúdo temático;
b.       com base em mais de uma versão da mesma história, para que o aluno – ou a classe – escolha os recursos textuais do texto que preferir, assim como a perspectiva focalizada;
b)      Com modificações:
a.       com base em um único texto e com a proposta de modificar um aspecto específico (o final, por exemplo; ou o narrador, o que implica na mudança de perspectiva da qual a história é narrada);
b.       com base em mais de um texto e com proposta de modificação de um aspecto específico.
No caso da reescrita com modificações, cabem duas observações:
a)       quando se trata de elaborar uma parte de um texto, a parte original é sempre conhecida, sendo a mudança intencional;
b)      há uma produção de conteúdo, ou seja, um componente de autoria no que se refere a esse aspecto;
c)       quando se trata de reescrita a partir de mudança de perspectiva enunciativa – de narrador onisciente para narrador personagem, p.e. – embora a história original seja a mesma, há um processo mais amplo de criação de conteúdo temático, pois é possível que seja necessária a criação de episódios que correspondam à perspectiva de quem narra. Um exemplo disso, é a reescrita do conto “A roupa nova do rei”, a partir da perspectiva do menino que, ao final do texto, grita “O rei está nu!”, personagem que só parece nessa cena.
No caso da reescrita sem modificações, a autoria está apenas no texto, em si, e não no conteúdo temático.
Por isso a denominação reescrita, e a reserva do termo “texto de autoria” para quando há criação/produção tanto de conteúdo temático quanto do texto, em si.
Que relação existe entre versão de um texto e reescrita de um texto?
O termo “versão” costuma ser utilizado para indicar uma maneira diferente de interpretar um determinado fato ou acontecimento já conhecido, uma determinada história. Note-se que quando se fala em “interpretação” fala-se em conteúdo temático, e não emtexto. Sendo assim, uma versão corresponde à ideia de reescrita com modificações.
É preciso que o aluno já tenha compreendido o sistema de escrita para fazer reescritas?
A textualização é um processo que independe da grafia de próprio punho de um texto. É possível redigir um texto ditando-o para alguém que saiba grafar. Essa prática já foi comum entre chefes e suas secretárias (ditar um memorando para ser digitado e enviado, p.e.); e também são clássicos os casos de escritores (como Borges) que, por dificuldades de visão, passaram a ditar seus romances a auxiliares.
A conclusão é a seguinte: é possível aprender a linguagem escrita (redigir um texto mobilizando todos os conhecimentos necessários para textualizá-lo, ainda que sem grafa-lo), sem que se saiba escrever.
Nessa perspectiva, os alunos podem produzir um texto coletivamente, ditando para o professor, que o registra na lousa; ou em duplas, ditando-o para um parceiro que saiba grafa-lo.
Fundamental é compreender, portanto, que a atividade de reescrita deve ser realizada com a finalidade de possibilitar ao aluno a aprendizagem da linguagem escrita, e não do sistema de escrita. Para a aprendizagem deste último, há que serem organizadas atividades específicas.
De que maneira uma reescrita pode ser realizada?
Para os alunos que ainda não compreenderam o sistema de escrita a reescrita deve ser realizada sempre em colaboração com um parceiro que saiba grafar: o professor ou outro aluno; coletivamente ou em pequenos grupos e/ou duplas.
Para os alunos que já compreenderam o sistema de escrita, de diferentes maneiras:
a)       coletivamente, ditando para o professor, que registra o texto[8];
b)      em duplas/pequenos grupos colaborativos;
c)       individualmente.
Não se pode perder de vista que a atividade coletiva modeliza procedimentos de escrita e oferece referências de tratamento a ser dado ao texto. Desse modo, Desse modo, mesmo que o aluno já escreva alfabeticamente, a reescrita coletiva pode ser necessária.
Quais textos devem/podem ser reescritos na escola?
Preferencialmente, textos ficcionais da esfera literária, como contos, lendas, mitos, fábulas.

Trecho do documento de orientações didáticas para as expectativas de aprendizagem. SEE Kátia L Bräkling, abril2013


[1] DOLZ, Joaquim; GAGNON, Roxane; DECÂNDIO, Fabrício. Produção escrita e dificuldades de aprendizagem. Campinas (SP): Editora Mercado de Letras; 2010.
[2]lugar de circulação chamamos os espaços nos quais os discursos serão veiculados, como: escola; sala de aula da universidade; seminários acadêmicos; cerimônias religiosas; clube; reuniões de partidos políticos; instituição governamental; empresas; julgamento; comício; show musical; espetáculo de dança ou teatral; programa de entretenimento de canais televisivos; sites de relacionamento, entre outros. Os lugares de circulação inscrevem-se dentro de determinadas esferas, como a acadêmica, religiosa, jurídica, política, artística, científica, de publicidade, de consumo, policial, entre outras tantas. As esferas são espaços sociais historicamente constituídos pela produção, divulgação e circulação de determinados saberes, fazeres e tipos de conhecimento. As esferas não são isoladas umas das outras; ao contrário, articulam-se em um determinado horizonte cultural marcado temporal, geográfica e historicamente. Se tomarmos como exemplo a esfera artística na sociedade brasileira, especificamente a esfera musical e da dança, veremos o quanto o maxixe – e mesmo o samba e o tango – era mal aceito (para não dizer proibido) em determinados grupos sociais na década de 20, por exemplo. Certamente pela concepção de música e de dança que circulava na época, do que seria bem aceito como dança de salão em determinados círculos, do que seria correto moralmente em termos de proximidade física entre homem e mulher, entre outros aspectos. Esse cenário – composto pela inter-relação de valores e de saberes de diferentes esferas -, hoje em dia, está muito modificado, o que é decorrente da mudança cultural sofrida pela sociedade brasileira.
[3]Estamos considerando neste documento que portador se refere a materiais como jornal, livro, revista, sejam eletrônicos ou impressos, blog, diferentes tipos de sites, murais, folders, panfletos, almanaques, enciclopédias, agenda, ou seja, materiais com uma configuração própria, criada socialmente e que circula em espaços sociais mais amplos ou mais específicos. Já um veículo é mais do que o portador: é uma “instituição”, orientada ideologicamente por valores definidos, com finalidades e público específicos, com identificação própria (nome, logomarca, projeto editorial, p.e.), que acaba assumindo posições – explicitamente ou não - a respeito de diferentes temas/assuntos em função dos valores que as orientam. Dessa forma, podemos dizer que para um mesmo portador, como jornal, por exemplo, temos muitosveículos: Folha de São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo, Agora, Valor Econômico, Jornal dos Concursos, entre outros. Da mesma forma para revistas: Piauí, Super Interessante, Recreio, Nova, Caras, TPM, Época, Veja, Isto É, Língua Portuguesa, Nova Escola, Revista Veras (somente eletrônica), Construir mais por menos, Quatro Rodas, Pátio, Emília, Coquetel, Saúde, entre tantas outras.
[4]Mais adiante no texto nos aprofundaremos nesse conceito.
[6]A respeito das questões relativas à coesão e coerência, consulte este mesmo documento alguns tópicos à frente.
[7] Por papéis enunciativos compreendemos as posições que um escritor assume no processo de produção de um texto: ele ora assume o lugar de escritor, em si, e ora o de leitor. Essa alternância é constitutiva da atividade de escrita, sendo fundamental para a realização do ajuste do texto ao contexto de produção, especialmente às possibilidades de compreensão do leitor.
[8] Para aprofundamento nesse aspecto, consulte: MOLINARI, Maria Cláudia. Intervención Docente em uma situación de dictado a la maestra. Buenos Aires: Colegio integral Martín Buber/Red Latinoamericana de Alfabetización; outubro/1999.

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